Cartas

Carta 5

fevereiro | 2006

1. A nova face do mundo globalizado

Há quem diga que estamos vivendo em um “novo mundo”, transformado pelas inovações tecnológicas e pela crescente incorporação dos países emergentes à rede internacional de comércio e finanças. De fato, há muitas mudanças e talvez a mais interessante, senão mais importante, é o fato do mundo ter voltado a ser integrado ('globalizado') no lugar de uma soma de economias nacionais, mais ou menos isoladas, como nos anos 1950 a 80. E é claro que a revolução do dot.com não só facilitou, como faz parte desse novo mundo. Facilitou porque a integração das economias decorreu da queda dos custos da comunicação. Faz parte porque é impossível dissociar a Internet da globalização, uma alimentando a outra.

 

Fases de inovações tecnológicas, como a revolução industrial do século XVIII, vêm acompanhadas de maior prosperidade econômica, aumento da expectativa de vida e menos pobreza. Quando se observa o crescimento da economia dos EUA epicentro da atual revolução e do mundo, desde meados dos anos 1990, tem-se a impressão de que, realmente, subimos um degrau em relação aos 25 anos anteriores. Entre 1973 e 1995, a renda norte-americana se expandiu 2,84% ao ano e desde então a taxa tem sido de 3,59%. Essa diferença, ao longo de 10 anos, implica uma expansão acumulada adicional de 7,7%, o equivalente a um trilhão de dólares a mais na renda anual dos americanos.

 

O crescimento americano se espalha por outros continentes através do comércio internacional de bens e serviços. O grosso dos produtos eletro-eletrônicos consumidos nos EUA e no mundo vêm da Ásia. Mas a Ásia é pobre em matérias primas e alimentos, e seu crescimento puxa as exportações de países da América Latina, África e Oriente Médio. A expansão do comércio internacional e a redistribuição da produção dos países ricos para os emergentes têm produzido maior sincronia entre as economias de modo que o efeito das inovações nos países ricos se faz sentir em grande parte do globo.

 

As revoluções industriais não se dão por acaso. É claro que uma confluência de fatores contribui para elas, mas eles não são fortuitos. Caso contrário, os lugares em que ocorrem seriam aleatórios --estariam espalhadas pelo mundo. Mas não, cada fase de inovação requer um ambiente institucional propício para as invenções e para que elas tenham valor econômico e atraiam investimentos. A primeira revolução industrial aconteceu na Inglaterra do século XVIII, a segunda revolução ocorreu no século XIX na Europa, depois vieram vários períodos de inovação no século XX tendo os EUA como centro e, por fim, a fase atual em que os EUA mantêm a liderança.

 

A primeira revolução industrial

No século XVIII, a agricultura concentrava as atividades produtivas. Depois dos trabalhadores rurais, o excedente alimentava uma pequena minoria de nobres e moradores das cidades dedicados à burocracia e ao artesanato. A energia utilizada era animal, a divisão do trabalho praticamente inexistente, a maior parte da produção era para auto- consumo. As trocas e os mercados não eram importantes.

 

Os mercados crescem em importância com os primeiros capitalistas do setor de tecelagem e têxtil que adiantavam matéria prima para os artesãos e depois vendiam os produtos com um lucro, e com a expansão do comércio internacional. Adam Smith, que escreveu A Riqueza das Nações em 1776, em plena revolução industrial, condicionava a divisão do trabalho e o crescimento da produtividade à expansão dos mercados.

 

David Landes, um dos grandes historiadores da revolução industrial, autor de Prometeu Desacorrentado e A Riqueza e Pobreza das Nações, destaca três inovações básicas na Inglaterra do século XVIII: 1. a substituição do esforço humano pelas máquinas; 2. a substituição da energia animal pela energia inanimada; e 3. e o uso de novas matérias primas com a substituição de substâncias vegetais e animais por minerais. O uso da energia a vapor e das primeiras máquinas para a fiação e a tecelagem na Inglaterra é a marca da primeira revolução industrial.

 

Comumente os historiadores destacam o salto de dinamismo a partir do século XVIII. Até então, o homem lutava por melhorar as condições de sobrevivência material com inovações básicas, relativamente sem expressão diante dos ganhos que viriam depois. Nesse sentido, a primeira revolução abre as portas para uma nova fase da humanidade. E não são apenas as invenções e inovações tecnológicas que se acumulam, criando novas ondas de crescimento econômico. É também o desenvolvimento da economia de mercado que provê as bases para a ação empresarial, em particular, a expansão do crédito e os investimentos. Landes enumera algumas das “instituições” para que uma sociedade, como foi o caso da inglesa, pudesse levar a cabo a revolução industrial, e é curioso como elas são muito contemporâneas:

  • Garantia dos direitos de propriedade, que incentivam a poupança e o investimento;
  • Cumprimento dos contratos;
  • Governo estável com regras conhecidas;
  • Governo honesto de modo que os atores econômicos não tenham incentivos a buscar ganhos fora da esfera do mercado;
  • Governo moderado e eficiente, que mantenha baixos os impostos e as demandas sobre o excedente econômico.

 

Não é que a Inglaterra passasse em todos esses testes, mas ela estava muito mais avançada que os demais países. Um exemplo interessante está nas condições das estradas e canais nos anos 1973-95. A economia volta a crescer na última década. Por sua vez, no período recente, o aumento da produtividade foi um fator mais relevante que nos anteriores para o crescimento, atestando a relevância das inovações para o crescimento do PIB.

 

Já o gráfico 2 mostra que foram o aumento do investimento em tecnologia da informação (TI) e a produtividade associada a ela os principais diferenciais desse período em relação aos anteriores. Entre 59 e 73, a contribuição da TI para o crescimento da produtividade do trabalho foi praticamente nula, aumentando entre 73 e 95, e tornando-se o fator mais relevante nos anos mais recentes.

 

Por que os EUA são o palco dessa nova revolução? A julgar pela origem de algumas das principais empresas do setor (Microsoft, Dell, Apple), foi decisivo o ambiente propício para a inovação e o desenvolvimento de empresas emergentes. A estrutura do mercado financeiro e de capitais nos EUA promove as empresas inovadoras muito mais que em países europeus e o Japão, cujos mercados de capitais são menores e os bancos muito envolvidos com as grandes empresas. Além disso, a regulação dos mercados, inclusive do mercado de trabalho, favorece a flexibilidade das empresas para se adaptar a novas tecnologias.

 

Por último, o processo de outsourcing da produção das partes e componentes de informática (discos rígidos, chips, etc.) permitiu uma redução de custos de modo a facilitar a rápida difusão do uso de equipamentos. Esse fator, que tem permitido maior integração dos países emergentes na produção e consumo de produtos de última geração não pode ser dissociado da redução das barreiras ao comércio e o aumento do fluxo de comércio desde a década de 80. Portanto, essa nova fase de expansão mundial é, de fato, o resultado da combinação das inovações na área de TI e do crescimento da rede internacional de comércio e investimentos.

 

O que esperar do futuro?

A julgar pela população que ainda pode vir a se integrar à rede de produção e demanda mundial, além da comunicação digital, na Ásia (China e Índia), América Latina e possivelmente África e Oriente Médio--, usando as novas tecnologias disponíveis, é possível prever que o ciclo de expansão de longo prazo ainda tenha muito fôlego. Além disso, nos países em que as novas tecnologias são desenvolvidas, ainda há avanços importantes pela frente, não só no setor de TI mas naqueles que são potenciais usuários (logística, medicina e entretenimento, por exemplo).

 

A manutenção dessa tendência pode ser colocada em cheque por duas ordens de fatores. Primeiro, uma nova onda de protecionismo nos países ricos que vêm perdendo espaço na produção industrial que faça recuar ou desacelerar o fluxo de comércio, o outsourcing de serviços e os investimentos internacionais. Segundo, a exaustão de recursos naturais, como as fontes de energia (petróleo, especialmente), por exemplo, ou um grau inaceitável de degradação do meio- ambiente.

 

O que podemos constatar é que a velocidade de mudanças tecnológicas e de costumes que estamos presenciando nos últimos anos neste mundo globalizado abre novos horizontes para todos nós. Segundo Martin Wolf articulista do Financial Times, “a ascensão da China e Índia como potências mundiais é tão significativa quanto a dos EUA, Alemanha, Japão e Rússia no fim do século XIX”. Mais de 1 bilhão de pessoas já tem acesso à Internet e cerca de 1,5 bilhão de pessoas usam telefones celulares. Este número cresce a cada dia, fazendo com que o potencial de disseminação da informação seja enorme. Um “novo mundo” está se integrando ao nosso “ velho conhecido mundo”. Temos um desafio enorme de entender a extensão destas mudanças, como elas modificam a cada dia as nossas perspectivas e o impacto que elas podem ter em um planejamento financeiro de longo prazo

 

2. Fortunas Voláteis

Por Renato Bernhoeft

Renato Bernhoeft é sócio fundador da Bernhoeft Consultoria Societária www.bernhoeft.com.

 

Uma pesquisa feita nos últimos 22 anos entre as maiores fortunas do mundo revelou um resultado que deve ser encarado, no mínimo, como digna de registro para aqueles que hoje se dedicam a viver de rendimentos ou mais ainda a todos que, no presente, estão preocupados, e muito focados, em acumular um patrimônio que possa dar tranqüilidade aos seus descendentes. Atenção, não basta tornar-se rico. Um dos maiores desafios é conseguir que seus herdeiros também sejam preparados para agregar valor à fortuna.

 

Em pouco mais do que apenas duas décadas, os que eram considerados ricos no final dos anos 80 tiveram uma profunda alteração do seu perfil. Apenas 13% deste grupo conseguiu manter-se na categoria de “abonados”. Sobre os 87% restantes não se têm mais notícias, embora, possivelmente não tenham se tornado pobres.

 

Esta mesma pesquisa realizada por uma instituição financeira que está entre as três maiores gestoras de patrimônio do mundo, indica que toda família considerada rica, e que gaste mais do que 3% da sua riqueza ao ano, está correndo risco.

A maioria das 87% de famílias que deixaram a categoria de membros do clube dos afortunados gastou acima de 5% ao ano e não diversificou seus investimentos de forma que ficassem protegidos das instabilidades do mercado e o processo de globalização que se mostrou muito mais intenso na década 90.

 

Outra notícia recente, vinda do nosso país vizinho, a Argentina, mostra que das últimas três fortunas familiares existentes sobram apenas duas. Diz a notícia que “com sua fortuna drasticamente reduzida, e depois de ter vendido os grandes quadros de sua outrora frondosa coleção de arte, a “baronesa do cimento”, como era conhecida Amália Fortabat, ou “Amalita”, comandante do Grupo Fortabat, teve que finalmente desfazer-se da Loma Negra, uma das últimas grandes empresas ainda em mãos de uma família Argentina. A empresa, que dominava 48% do mercado de cimento do país foi vendida no ano passado.”

 

Diz ainda a notícia que agora “sóbrios e discretos, restam dois grandes nomes da aristocracia empresarial Argentina: os Pagani e os Roca. A primeira família controla a Arcor, maior produtora mundial de balas e doces. A segunda família domina a Techint, principal empresa do mundo em fabricação de tubos de aço sem costura.”

 

Sobre o panorama brasileiro é desnecessário qualquer análise tendo em vista que é uma realidade por todos conhecida. Afinal, os números indicam que de cada 100 fortunas dos últimos 30 anos, apenas 18 permaneceram.

 

Importa registrar que esta tendência, tanto mundialmente como no Brasil, é cada vez maior. O aumento da complexidade no mundo, tanto política, geográfica, social e econômica só tende a se ampliar.

 

Existem alguns aprendizados importantes registrados pelas famílias e empresas que conseguiram manter-se na lista das maiores fortunas.

Eis alguns:

  • Cortar custos e administrar com austeridade não é uma providência para apenas um momento, quando a vida está difícil. Deve ser um princípio de aplicação permanente.
  • Prepare os herdeiros desde crianças para uma saudável relação com o dinheiro e poder. E faça-os conhecer a origem e história de como tudo começou. Para muitos ainda existe a falsa idéia que “na época dos meus avós tudo era mais fácil...” O grande legado não é apenas material, mas também moral.
  • Cada geração deve agregar valor ao patrimônio. Se isto não ocorrer, ele acaba.
  • Os descendentes devem reduzir seu grau de dependência financeira do patrimônio herdado. Buscar fontes alternativas de liquidez e sua realização pessoal e profissional é de suma importância. Pessoas realizadas agregam valor. As frustradas e insatisfeitas destroem valor.
  • Crie, ou contrate, uma competente estrutura para gerir o patrimônio de forma profissional e buscando atender o interesse coletivo.
  • Transfira a gestão das necessidades de apoio e desejos pessoais para as pessoas, ou crie uma estrutura com esta finalidade. Não utilize a empresa, ou seus funcionários, para estas atividades.
  • Não descuide de elaborar, e manter atualizado, um bom planejamento tributário.
  • Mantenha fundos de reservas, e as pessoas preparadas para situações de emergência (segurança pessoal, separações, mortes,doenças, etc.).

 

Enfim, é possível observar com o aprendizado das famílias que conseguiram administrar de forma produtiva seus patrimônios, que manter é tão, ou mais, desafiador do que conquistar.

Voltar